Não é de hoje que objetos ganham status emocional em nossas vidas. Mas as bonecas reborn, com seus olhos vidrados, bochechas rosadas e aparência incrivelmente realista de recém-nascidos, levam isso a um novo patamar. Para quem não conhece, essas bonecas são confeccionadas artesanalmente para se parecerem com bebês humanos em cada detalhe – peso, textura da pele, cabelo implantado fio a fio. Mas o que mais me chama atenção não é a técnica envolvida na criação delas, e sim a função psíquica que passaram a desempenhar para muitos adultos.
Não são raros os relatos de mulheres que compram uma reborn como forma de lidar com a perda de um filho, o luto por um aborto, a impossibilidade de gerar ou até mesmo a solidão. Há até registros na mídia de pessoas que tratam suas reborns como filhos, levando-os ao parque, vestindo-os com roupas reais e até alimentando-os simbolicamente. Para além do sensacionalismo que isso pode gerar, há ali uma dor real que merece ser compreendida – e não ridicularizada.
Do ponto de vista terapêutico, esse fenômeno nos leva a refletir sobre as formas simbólicas de elaboração do trauma e da perda. Em algumas abordagens psicodinâmicas, o objeto transicional pode ser essencial no enfrentamento de situações-limite. Nesse caso, a reborn não é apenas um brinquedo, mas um objeto carregado de representação psíquica, capaz de acolher projeções afetivas profundas. É quase como se o inconsciente dissesse: “não posso viver esse luto por completo, então preciso simbolizá-lo”.
Também não podemos ignorar a relação entre as reborns e os impactos sociais do nosso tempo. Vivemos numa era de vínculos frágeis, hiperconexão digital e carência de presença afetiva. A figura do bebê representa pureza, cuidado, início, esperança. Ao criar um vínculo com uma boneca que remete a tudo isso, talvez o sujeito esteja tentando resgatar algo que sente ter perdido. Pode ser a própria infância, pode ser uma chance de recomeçar.
Por outro lado, é legítimo que psicólogos e terapeutas se perguntem: quando esse tipo de relação ultrapassa o limiar do saudável? Aqui, o olhar clínico é essencial. Se o uso da reborn bloqueia o contato com a realidade, impede o luto ou gera isolamento social, talvez esteja mais ligado à manutenção do sofrimento do que à sua elaboração. Mas se atua como um recurso temporário, simbólico, que abre espaço para o diálogo e a expressão do afeto, pode até mesmo ser integrado ao processo terapêutico, com os devidos cuidados.
Eu vejo nas reborns um convite à escuta empática. Diante do sofrimento alheio, é fácil julgar aquilo que não compreendemos. Mas os profissionais que lidam com a psique humana, tem como papel perguntar o que esse objeto representa para o sujeito. O que ele precisa expressar, mas não encontra palavras? E que caminhos é possível trilhar a partir disso?
Bonecas reborn são um espelho do nosso tempo. E talvez, se nos dispusermos a olhar com atenção, possamos enxergar nelas não apenas um objeto inusitado, mas um sinal de que ainda há desejo de cuidar, de se vincular e de encontrar sentido – mesmo em meio à dor.